GRIMÓRIO DA VERDADE
Sem conter a emoção, você prosseguiu com determinação. Seus pés encontraram os degraus ásperos do primeiro andar da torre enquanto você ainda se recuperava da magnífica visão do interior. As paredes se erguiam circularmente a sua volta, com colunas brancas colossais lapidadas a mão com entalhes de símbolos e runas, sustentando a estrutura. Era praticamente impossível ver o topo dali. Uma escada em caracol serpenteava pelos diferentes andares, delimitados por plataformas flutuantes, que muitas vezes pareciam se mover sozinhas. Naquele pavimento, incontáveis estantes com os mais variados tipos de livros se espalhavam por todos os lados. Aquele lugar era surpreendentemente enorme. Parecia muito maior por dentro que por fora – e talvez realmente fosse por meio de alguma magia.
Você se sentia flutuar. Estava em um lugar de sonhos. Sua mão ardia levemente, numa sensação calorosa. Nas costas dela uma marca, que você já conhecia, brilhava com intensidade: a forma de um livro com um olho na capa. Na primeira vez que a vira, você não fazia ideia do que significava, mas tão logo ela aparecera, um desses corvos lhe encontrara, enviando uma carta convite com poucas explicações, mas suficiente para entender o seu propósito – e que aquilo era tampouco um convite, mas uma intimação – que no fundo você sempre quisera aceitar.
Caminhando entre as estantes, seus olhos percorriam os títulos dos infindáveis livros. Alguns você conhecia mas não havia lido, outros há muito faziam parte de sua coleção pessoal e muitos outros você desejava do fundo do coração que houvesse lido. Instintivamente, suas mãos se apressaram a colocar alguns deles na sua bolsa – para estudos posteriores. Enquanto andava pelos corredores, seus pensamentos difusos se perdiam entre tantas fontes maravilhosas de leitura, lhe fazendo esquecer completamente do por quê estava ali – encontrar aquele livro.
Sua intuição lhe dizia para prosseguir aos andares superiores, onde as plataformas flutuavam e onde você podia jurar ter visto um ser encapuzado passar voando sobre elas, coletando livros das estantes encrustadas nas paredes – seria possível? A escada em caracol parecia descer para outros andares, e nos andares superiores, parecia atingir alguns pavimentos mais estáticos.
Seus pés lhe guiaram sem que você nem mesmo percebesse. Quando se deu conta, você estava no meio da torre, aos pés da escada, com a bolsa carregada de livros que talvez você nunca fosse ler – mas não importava, eles estavam ali e você podia senti-los. A marca na sua mão pulsava com ainda mais força. Com curiosidade, você desceu alguns poucos degraus para ver o que lhe aguardava no andar de baixo.
Diferente do andar superior, esse era um salão de extensão incalculável, escuro e de teto baixo. Pequenas estruturas circulares, mais uma vez incontáveis – abundância era de fato a característica mais marcante da Torre Branca – se erguiam pelo chão do andar, com pouco mais de um metro de altura. Algo brilhava em seus interiores, e parecia ondular: líquido. Você desceu mais. Os pequenos tanques atiçavam-lhe a curiosidade e você não pôde resistir, apesar de saber que seu compromisso principal não residia ali.
Ao chegar na piscina mais próxima, você se debruçou sobre sua borda, encarando o líquido. A água translúcida rapidamente se tornou um denso líquido roxo e imagens familiares se formaram: imagens suas. Aquelas eram algumas de suas memórias. Alguns momentos importantes com pessoas que você gostava. Você se assustou, e deu um pulo para trás, correndo para o próximo tanque. Mais uma vez imagens suas estavam ali, de momentos de dificuldade e tristeza. Com espanto, você correu para meia dúzia de outros tanques, constatando que todos eles exibiam diferentes partes das suas recordações e impressões. Era um lugar curioso. A marca ainda pulsava na sua mão.
Quando você se dirigia de volta para a escada em caracol, vislumbrou uma estrutura ao fundo da sala que não havia visto antes: um filete de água descendo do teto, que caía em uma pequena bacia, a meia altura. Prostrado do lado da bacia, havia um copo de pedra lisa. Sua curiosidade, sempre impulsiva, guiou seus passos até lá e fez com que você coletasse o copo – sua vontade era bebericar da água da bacia. Antes que você pudesse concluir sua ação, o líquido translúcido também se tornou roxo e denso, enchendo toda a bacia, que transbordava para alguns orifícios no chão, por onde era conduzido. A vontade de provar do líquido era forte demais, e suas mãos fizeram com que você recolhesse um pouco do fluido com o copo de pedra, que você aproximou da boca.
O gosto era novo, desconhecido. Não era doce nem salgado. Não era amargo nem azedo. Era um pouco de tudo e um pouco de nada. De repente, sua visão se tornou turva e imagens lhe vieram a mente. Imagens de coisas que jamais haviam-lhe acontecido, com pessoas que você jamais vira ou ouvira, mas ao mesmo tempo que você sabia que não eram reais. Imagens criadas por outras mentes e registradas de formas que você sequer conhecia – pareciam de um tipo diferente de tecnologia.
Seu cérebro estava cheio. Ideias pulsavam e gritavam para sair. Sua marca na mão iluminava todo o local e ardia como uma fogueira – parecia pedir socorro. Você sabia o que devia fazer, e correu. Correu como se sua vida dependesse disso, subindo as escadas, tropeçando nos próprios pés. Seu instinto lhe dizia para subir. Subir muito. Passar as plataformas flutuantes e os encapuzados voadores. E assim você subiu.
A subida foi difícil. Os livros na mochila e as ideias na cabeça pareciam pesar-lhe uma tonelada. Várias e várias vezes você quis desistir – como quis. Você não parecia ter aptidão para aquilo. Você não parecia capaz. Você quase deixou os livros – ou as ideias – pra trás uma porção de vezes, e por isso teve que voltar para buscá-los, mas prosseguiu. Você achava que a escada não tinha fim, que as plataformas eram infinitas e que a torre era eterna, mas não era. Após muito correr, lá estava: a abertura para o andar superior.
Ao alcançar o andar, faltava-lhe fôlego, mas sobrava-lhe empolgação. A sala, para sua decepção, era muito mais simples e diferente das outras. Era simples demais. Estava praticamente vazia, exceto por um pedestal erguido no meio dela, com um objeto apoiado em seu topo, além de algumas mesas espalhadas em seu entorno. Você se aproximou da estrutura, em tempo de ver que ali pousava um livro grosso de capa antiga, com um olho estampado: o livro. A escada ainda se prolongava pelo andar superior, mas dessa vez ela se escondia sobre o teto da sala do livro. Sua curiosidade lhe dizia para subir, mas algo lhe dizia que lhe faltava preparo. Suas mãos tremiam, suas pernas estavam bambas e seus pulmões pareciam que iam sucumbir a pressão de retomar todo o ar que você havia perdido, mas ainda assim, você decidiu abrir o livro.
Para seu espanto, ele estava completamente em branco. Nem uma página sequer estava preenchida. Nem uma linha. Nem uma palavra. Nem mesmo um ponto. Tudo estava em branco, exceto pelo título, cravado numa das páginas assim como as inscrições na parede estavam esculpidas em pedra: Grimório da Verdade. Só agora você se dera conta que uma pena estava pousava num tinteiro ao lado do livro, próximo a sua mão boa – será que ela sempre estivera ali mesmo? A marca no braço parecia que ia fazer sua pele derreter. Você não percebeu quando esticou o braço e alcançou a pena. Você não percebeu quando a tinta tornou-se roxa. Você nem mesmo percebeu quando começou a escrever, mas quando se deu conta, o livro estava cheio de ideias e coisas que você aprendera enquanto debruçara-se sobre os livros que colhera no andar debaixo, espalhados bagunçadamente pelas mesas – quando foi que eles haviam sido colocados ali? Você não se lembrava.
Você não fazia ideia de quanto tempo se passara desde que você começara a registrar suas lições ali antes de finalmente parar de escrever. Seu pulso cansado e seus dedos dormentes pediam por socorro e, mais do que isso, sua mente clamava por descanso. Faltavam-lhe ideias. Faltava-lhe inspiração. Faltava-lhe conhecimento.
– Você trabalhou muito. – Uma voz suave surgiu de trás de você na sala. Você se assustou (de onde ela havia surgido?). – Vejo que você aprendeu muito até aqui. Sem ajuda. É admirável. Eu mesmo levei muito mais tempo para alcançar esse andar. Muito mais ainda pra escrever tudo isso – disse a figura encapuzada deslizando os dedos pelas páginas que você havia acabado de escrever.
– Agradeço. Mas eu não sei exatamente o que estou fazendo, ou o que fazer a partir daqui… – Você disse com insegurança.
– Nenhum de nós sabe. Talvez nunca saibamos… – Ele disse pensativo, caminhando com os braços cruzados e apoiados no ar a sua frente. – Mas ainda assim, temos que prosseguir, não é mesmo? Você não quer saber o que lhe aguarda no andar de cima? Nos andares superiores? Você não quer ver o topo da Torre? Você não quer ver o cristal púrpura de perto e, quem sabe, usá-lo? – Você assentiu com a cabeça. Era tudo que você queria. – Mas no fundo você sabe que não tem o preparo, não é mesmo?
– Sim, eu acho que sim. – Você concluiu com desânimo.
– Não desanime. Eu não planejo, e muito menos posso, ensinar-lhe nada… Jamais poderei. Não estou apto para isso. Quem sabe talvez eu possa indicar-lhe uma maneira de aprender assim como eu aprendi? Quem sabe talvez eu possa aprender como você aprendeu e possa beber da mesma fonte que você? Quem sabe eu possa desfrutar dos mesmos livros e colher do mesmo conhecimento? Talvez assim possamos um dia subir para os andares superiores… Quem sabe…
– Quem é você? – Você perguntou com curiosidade. Aquela conversa era reconfortante e você sentia que ainda havia, de certa forma, esperança.
– Eu sou você, ou melhor, alguém como você. – Ele deu um longo suspiro e continuou. – Estou aqui há algum tempo, mas sinto que ainda não estou preparado, e talvez você tenha chegado aqui para me inspirar. Quem sabe? Sou um aprendiz como você e espero um dia dominar a magia mais profunda e mística que existe: a mesma que te guiou até aqui. Agora é hora de ir. Preciso escrever um pouco mais no meu grimório. Nos encontraremos novamente. – Dizendo isso, a figura misteriosa desapareceu no ar, sumindo numa névoa branca.
Você finalmente se lembrou por que estava ali. Seu desejo de se tornar um mago da criação, das manifestações mais sublimes, lhe impulsionara por toda sua vida. Seu grimório estava prostrado na sua frente. Seus olhos percorreram as mesas ao redor e, com espanto, você descobriu que o aprendiz lhe deixara alguns livros novos. Com animação, você correu entre as mesas, analisando títulos e mais títulos – infindáveis! Existia até mesmo uma garrafa cheia de líquido roxo no canto de uma das mesas – incrível! Quando você decidiu debruçar-se sobre alguns deles, um livro em especial chamou-lhe a atenção, destacando-se dos demais, próximo a garrafa.
Você se apressou para pegá-lo e, com empolgação, analisou-o. A capa roxa era muito bela, mas ao mesmo tempo simples. Um imenso olho branco estampava o centro do livro. Com leveza você o abriu onde a língua branca para marcação de páginas pousava: a primeira folha. O título no centro parecia ter sido escrito há algum tempo no papel amarelo do, já desgastado. Sua marca na mão emitia um calor aconchegante.
– Grimorium. – Você pronunciou o título em voz baixa, pouco antes de virar a página. Sua visão foi ficando roxa e, quando você percebeu, a torre havia se dissolvido e você se debruçava sobre as páginas do livro velho e gasto. Havia esperança.“
Se você leu até aqui, essa história é sobre você e sua vida de escritor. Essa história é sobre suas descobertas, sobre seus anseios e dificuldades para trilhar o seu caminho escrevendo livros. Talvez os livros na sua estante sejam diferentes ou o andar que você parou foi outro. Talvez você tenha hesitado mais pra entrar na torre. Talvez você ainda esteja diante dos portões. Talvez você ainda não tenha escolhido um livro. Talvez você não carregue nenhum livro na bolsa. Uma coisa, no entanto, é certa: o seu grimório já te escolheu e a marca pulsa na sua mão.
Seu grimório é seu maior companheiro, e seu livro de magias, com todos os truques e técnicas que você vai precisar para se tornar um grande mago da escrita. Talvez o Grimorium não seja o seu grimório preferido, ou faça parte das suas escolhas, mas você chegou aqui por alguma razão e talvez, só talvez, exista algo das artes mágicas da escrita que possa te inspirar aqui.
Se você é um escritor com problemas durante o desenvolvimento de um livro ou texto; se você quer escrever mas não sabe nem como começar; se você não tem nem idéia do que fazer; se você tem ideias, mas acha que não pode escrever um livro; se você acha que pode escrever um livro, mas não tem ideias; se você está inseguro do que fazer, mas livros são sua paixão; se você quer só descobrir um pouquinho sobre o mundo da escrita; ou se simplesmente você foi guiado pra cá, então talvez você seja um mago da escrita.
Nós, os aprendizes que escrevem o Grimorium, Gabriel “Gabreu” Alves e Yuri “Flagrare” Guimarães, desejamos subir para o topo da Torre Branca, lugar dos Magos e Bruxos da escrita. Nós queremos que você suba com a gente, e prepare o seu próprio grimório no caminho.
O Grimorium é um site onde falaremos sobre nossas descobertas, experiências e dificuldades ao escrever, com o objetivo de difundir e compartilhar algo que possa ser de auxílio para escritores que também passam por essas situações. Escritores em desenvolvimento, assim como nós. O objetivo também é coletar outras situações que possam ainda não ter acontecido conosco – ou sido abordadas pelo site – para que possamos preencher as páginas do nosso grimório com lições a aprendizados valiosos para escrever e, quem sabe assim, aumentar o nosso grimório, ao passo que você também seja capaz de escrever o seu.
Seja bem-vindo. Esse foi o prólogo do Grimorium. Esteja pronto para os próximos capítulos, e para escrever os seus, do seu próprio Grimório da Verdade.
Um site para escritores, de escritores.
One comment
Incrível. Inspirador. Mágico. ❤